Um clássico nos curso de Business MBA, o teste do Marshmallow, foi um experimento do pesquisador e professor Walter Mischel e seus alunos da Universidade de Stanford. O experimento consistia em uma tarefa simples, mas que representava uma capacidade essencial para o futuro pessoal e profissional do indivíduo, a capacidade de postergar recompensas, a autodisciplina.

O experimento consistia em colocar uma criança sentada em uma mesa de frente para um prato contendo um marshmallow. A pessoa que estava conduzindo o teste, avisava a criança que iria sair, mas voltaria em 15 minutos, e se a criança ainda não tivesse comido o marshmallow, ela ganharia outro.

Apenas uma em cada três crianças passaram no teste

Apenas uma em cada três crianças conseguiu receber o segundo marshmallow. Dezoito anos depois, o pesquisador e sua equipe foram atrás destas crianças, e constataram que todos aqueles que haviam passado no teste estavam com sua autoestima elevada, obtiveram boas notas e estavam na faculdade. Já os que reprovaram apresentavam sobrepeso, tinham baixa autoestima, e a maioria sequer havia concluído o colegial.

A pesquisa do professor Walter Mischel foi o ponto de partida para inúmeros estudos relacionados, na busca de respostas para o sucesso, autoestima, alta resiliência e boa saúde.

O Brasil de hoje, na gestão desta pandemia, está quase todo reprovado no teste do marshmallow. O governo federal coloca o empresário sentado na cadeira, mas esquece o marshmallow, ou coloca o marshmallow e esquece do empresário, ou coloca os dois e esquece de voltar, ou ainda fala que é bobagem, que pode comer o marshmallow que vai ganhar outro de qualquer jeito… E não vai!

Metáforas a parte, existe uma total falta de coordenação, estão desperdiçando recursos, oportunidades, tempo e principalmente vidas, no momento, em Março, somos o país com o maior número de óbitos diário pela COVID-19. O mais assustador disso tudo, é que segundo levantamento da Fiocruz, estamos vivendo o pior cenário desde o início da pandemia, concentrando 10,3% de todas as mortes no mundo, e 9,5% dos casos ativos, mesmo tendo apenas 3% da população global. A análise destes números permite perceber o tamanho do problema que o país esta enfrentando. O gráfico abaixo aponta uma forte tendência de crescimento exponencial no número de casos diários, que somados as novas variantes – que estão se tornando maioria nos novos casos segundo a Fiocruz – pode literalmente levar o país ao colapso, é o que dizem os cientistas, inclusive da OMS, tornando o Brasil uma ameaça global.

Fonte: Worldometers

Segundo o médico e neurocientista Miguel Nicolelis, o problema pode se aprofundar com o colapso do serviço funerário, e ai segundo o pesquisador, a contaminação do solo e lençóis freáticos pelo necrochorume proveniente, irá comprometer a segurança alimentar do brasileiro, e fechar todos os mercados internacionais que importam alimentos do Brasil, um colapso socioeconômico de dimensões apocalípticas.

Analisando os cenários e estratégias

O objetivo aqui não é continuar dissertando a cerca da pandemia em si, estabeleci um recorte para dimensionar o problema, e agora vamos focar nas questões colaterais para a saúde da população e da economia.

Se tirarmos um instantâneo atual, o empresariado quase todo esta reprovado no teste do marshmallow, apostando na receita imediata em detrimento de uma projeção futura melhor calculada, mesmo com todos os danos colaterais.

Isto se deve a inúmeros fatores em diferentes perspectivas, resgatando o que disse anteriormente o Brasil está desperdiçando recursos, tempo, oportunidades e vidas. Pela ausência de coordenação nacional, e principalmente pela postura negacionista do governo federal, chegamos a este cenário de impasse generalizado, que nos levará com toda certeza a um colapso econômico e social nunca visto na história deste país.

É importante lembrar, que assim como nossos filhos aprendem com nossos atos e não com nossas palavras, as empresas adotam o modo de agir dos gestores como política interna, a sociedade aprende com os exemplos dos gestores públicos. Um presidente da república se reveste de enorme capital simbólico, baseado no cargo e na credibilidade das instituições do Estado.

Este capital simbólico tem enorme influência naqueles que se alinham com seu detentor, e o resultado pode ser visto nas ruas, uma parcela pequena, mas significativa, se opõe às medidas sanitárias, colocando a própria vida e das demais pessoas em risco desnecessário. No tocante ao seguimento da micropolítica institucional, temos o exemplo da delegação que foi a Israel, onde todos estavam sem mascaras no embarque e desembarcaram devidamente mascarados em Israel.

Isto posto, podemos considerar a questão comportamental como um problema agravante no cenário nacional no combate à pandemia. Esta constatação deveria demandar uma intensa campanha nacional orientando a importância do uso adequado de equipamentos de proteção (EPI) e das medidas sanitárias, como já ocorreu em diversos momentos da história deste país, inclusive com a distribuição gratuita destes equipamentos, tais como máscaras, álcool gel e sabão pela rede pública de saúde, à camada mais carente da população.

Ainda na esfera comportamental, podemos elencar o clássico argumento daqueles trabalhadores que tem lotado as praias no final de semana, argumentando que durante a semana estão sendo submetidos a transportes públicos lotados, e ambientes de trabalho muitas vezes insalubre, pela insistência de colegas, clientes ou fornecedores em não usar a mascara adequadamente. Para este trabalhador, ir a praia, um espaço ao ar livre, parece ser o menor dos problemas. Argumento incontestável, assim como, o mesmo é usado para justificar a cervejinha com os amigos no final de semana, e até aquele restaurante favorito com a família. Aqui temos dois problemas, o primeiro é o deslocamento da janela de Overton no tocante a exposição ao vírus, levando ao relaxamento das medidas protetivas, que tem levado ao crescimento de casos. O outro é a necessidade de sobrevivência do indivíduo, que não tem outra escolha, a não ser enfrentar transportes lotados e ambientes insalubres para ganhar seu sustento.

Uma parte do problema se resolveria com um amplo escalonamento no horário de funcionamento das empresas e instituições, de modo a evitar que no pior momento exista uma ocupação superior a 50% nos transportes públicos, a dificuldade estaria em implementar isso de forma eficiente e com a colaboração dos empresários de transporte, que veriam suas planilhas de lucratividade despencar.

A outra parte do problema dialoga com a questão que me levou a relacionar este texto ao teste do marshmallow:

Se tirarmos um instantâneo atual, o empresariado quase todo esta reprovado no teste do marshmallow, apostando na receita imediata em detrimento de uma projeção futura melhor calculada, mesmo com todos os danos colaterais.

Esta é uma questão complexa, que configura um perfeito case de gestão, ou melhor, da falta dela. A ausência de uma boa gestão pública está levando ao desperdício de tempo, recursos, oportunidades, vidas e empresas.

Nenhum de nós passou por uma crise como a que estamos vivendo com esta pandemia. De um dia para outro fomos obrigados a migrar de um escritório para o home office, as crianças da escola para o EAD, e a família toda trancada em casa o tempo todo, médicos passaram a atender por tele medicina, o delivery se tornou um serviço essencial.

Muitas empresas, cuja operação não comporta home office, e/ou, seus produtos ou serviços não são compatíveis com delivery, se jogaram num abraço de afogado. Muitos profissionais, também perderam seu sustento pela mesma razão.

A crise que estamos vivendo depende enormemente da presença do Estado para serem transpostas, na verdade são impossíveis de serem transpostas sem a presença ativa dele. O Estado precisa agir para cumprir sua função constitucional, seja garantindo a vida, seja preservando a renda dos menos favorecido. É neste ponto que o Estado falhou brutalmente, apesar de ter oferecido o auxilio emergencial que garantiu a subsistência destes profissionais que citei anteriormente, e apesar de ter oferecido uma série de benefícios fiscais as empresas para compensar o fluxo de caixa, fez tudo de forma descoordenada.

Se no momento em que foi feito o lockdown nacional, ainda coordenado pelo Ministério da Saúde, quando era gerido por um profissional de saúde, tivessem ofertado todos os demais benefícios, e uma intensa campanha de conscientização sobre as medidas de segurança sanitária, com punições severas de seu descumprimento, se tivéssemos tido bons exemplos vindos de representantes do poder público, e ainda após este período estratégias de controle tivessem sido adotadas, como testagem sistemática, isolamento de regiões endêmicas, e vacinação massiva, o cenário atual seria outro.

Erros, erros e mais erros, o país deixou de comprar vacinas quando ofertadas no final do ano passado, um país que tinha um sistema de saúde pública referência no mundo, que vacinou 80 milhões de pessoas na epidemia de H1N1 e foi o primeiro a erradicar uma série de doenças pelo sucesso de seu modelo de imunização, hoje “patina” para vacinar os brasileiros.

É óbvio o desespero de empresários e profissionais, frente a um futuro cada vez mais tenebroso, e que dada as perdas do último ano, temem a vinda de mais um lockdown. É um paradoxo terrível, pois a única forma de frear uma pandemia sem vacina, é com o isolamento estrito. Sucessivos “lockdowns” parciais e mal estruturados, só serviram para construir a narrativa de que lockdown não funciona, e criando assim aversão a ele.

Hoje vejo claramente esta falsa dicotomia, de que lockdown não funciona e só afeta a economia e o emprego, e infelizmente esta percepção só cresce, assim como a ocupação dos hospitais e UTIs no Brasil inteiro, e como dito anteriormente, estamos a beira do colapso.

Uma vez que o governo federal segue apático e indiferente a este colapso iminente, só resta partir da iniciativa privada uma proposta de ação coordenada, desta vez pelos sindicatos e organizações patronais, propondo uma estratégia de enfrentamento, com lockdown nacional coordenado, e medidas efetivas para evitar o deslocamento, inclusive por fronteiras municipais, por um período de tempo que os cientistas dizem viável, que é de duas a três semanas. Ainda cabe a este grupo, pressionar pela a criação de normas através de leis, portarias e decretos, que permitam manter um controle do fluxo de pessoas e maior ação coordenada da saúde, a exemplo de diversos países que estão vencendo a pandemia.

A questão é que estamos muito próximos de um momento, onde ficará claro que o que vem por ai, não é sobre eu ou você, mas sim sobre todos, é hora de enxergar tanto a economia como a sociedade como poderosos ecossistemas que precisam ser colocados em equilíbrio enquanto ainda é possível!


João Carlos Rebello Caribé

Consultor em otimização empresarial, com foco em inovação estratégica, gestão do conhecimento, gestão de projetos e processos, e micropolítica corporativa. Professor em MBA em disciplinas das áreas de gestão Empresarial, Marketing, Logística e Recursos Humanos. Mestre em Ciência da Informação pela UFRJ (PPGCI) com o tema “Algoritmização das relações sociais, criação de crenças e construção da realidade”. Empreendedor desde o início de sua carreira, foi sócio em quatro empresas desde então. Com a chegada da Internet no Brasil no final dos anos 90, desenvolveu uma empresa revolucionária, a Flash Brasil, tornando-se referência com um modelo de negócios inovador envolvendo comunidades virtuais com milhares de profissionais. Foi conselheiro para o primeiro Conselho de Coordenação da NETmundial Initiative, junto com profissionais como Jack Ma (Alibaba), Christoph Steck (Telefonica), Penny Pritzker (Departamento de Estado Americano), James Poisant (WITSA), Lu Wei (Ministro do Ciberespaço Chinês), Jean-Jacques Subrenat (EURALO), dentre outros. Também foi membro do Comitê Executivo da NCUC na ICANN, representando a sociedade civil da América Latina e Caribe. Participa da Internet Society Brasil, Coalizão Direitos na Rede, Red Latam, Comunidade Diplo, Dynamic Coalition on Network Neutrality e Global Net Neutrality Coalition, Laboratório em Rede de Humanidades Digitais (LarHud) e Estudos Críticos em Informação, Tecnologia e Organização Social (Escritos).

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