O visitante que hoje se impressiona ao entrar no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, não faz a menor ideia de como são espetaculares as suas “entranhas”. O backstage é impressionante, são quatro andares de varandas em torno do palco, e dois andares abaixo dele. Sobre o palco, acima das varandas existe o urdimento onde ficam dezenas de motores que comandam o cenário e varas de iluminação.
Das varandas é possível ir para o enorme vão que existe sobre a plateia. Os espectadores nem imaginam que acima daquele belíssimo teto, ainda há espaço equivalente à três andares. Pelo backstage pode-se transitar do telhado ao nível mais baixo, sem precisar sair do prédio ou até mesmo passar pela área de acesso público. A complexidade disto é tão grande, que demanda um tempo significativo para compreende-la.
Em 2008, já alguns anos afastado da engenharia, fui convidado para coordenar a equipe do projetos de instalações na reforma desde incrível prédio histórico. A reforma era arrojada, a maior desde a inauguração, não era apenas uma reforma estética, era uma profunda reforma de infraestrutura e modernização, um verdadeiro retrofit, com o objetivo de comemorar o centenário do Municipal em grande estilo.
Praticamente toda infraestrutura do teatro foi substituída: novo sistema elétrico, novo sistema hidrossanitário, novo sistema de iluminação, informática, automação do palco, novo sistema de áudio e infraestrutura para instalar automação predial, foi uma reforma impressionante.
Por se tratar de uma edificação tombada pelo patrimônio histórico, boa parte dos trabalhos dividiam espaço com restauradores e especialistas de diversas partes do mundo, e tinham o acompanhamento permanente do IPHAN. Foi uma reforma praticamente “on the fly”, sem um cronograma ou programação que permitisse um planejamento mais detalhado. Tínhamos os “milestones” que também mudavam com frequência, definitivamente um trabalho que demandava uma abordagem diferente.
Ao chegar encontrei uma estrutura tradicional na equipe de projetos, um engenheiro projetista e dois técnicos. Mesmo que dobrássemos a equipe não teríamos como atender o desafio que demandava uma dinâmica de trabalho extremamente ágil e adaptável, definitivamente as abordagens tradicionais não resolveriam a questão. Era preciso pensar numa forma de trabalho que possibilitasse saltar de uma tarefa para outra, mudar as prioridades com frequência, e ainda assim manter a qualidade, custo e unidade do projeto.
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Metodologia Ágil na Construção Civil
Decidi adaptar a metodologia Ágil para a gestão do projeto, que é a mais adotada no desenvolvimento de software, e permite lidar perfeitamente com as mesmas premissas que estava enfrentando. Algumas adaptações foram necessárias, SCRUM passou a se chamar Bate Bola, sprint passou a ser rodada e criei o campo “impedimento” onde as tarefas impedidas eram colocadas para discussão na reunião matinal e/ou aguardar providências.
A estrutura composta por dois técnicos e um engenheiro era incompatível com o “Bate Bola”, uma vez que na prática o engenheiro ficava no escritório e os técnicos no canteiro, alimentando-o de informações para os projetos. Estruturalmente a mudança foi simples, adicionei mais um técnico e um profissional prático – um encarregado de obras – para criar uma interface mais ágil entre o planejamento e execução de cada detalhe.
A grande mudança se deu na forma como esta equipe iria operar, o engenheiro não seria mais projetista, e sim revisor, o projeto seria desenvolvido pelos técnicos, e o mais importante, dei à esta nova equipe total autonomia decisória desde que todas as decisões fossem tomadas em conjunto. Muitos gestores experientes ficariam de cabelo em pé só de imaginar isto, mas eu já tinha experiência suficiente para acreditar na capacidade da inteligência coletiva, sabia que juntos eram mais inteligentes que a soma de suas inteligências. Além do mais ao criar este nível de compromisso da equipe, automaticamente eliminamos um dos maiores problemas enfrentados no ambiente profissional que é o ambiente micro político.
O próximo passo foi manter esta equipe motivada e criativa, identificar os pontos fracos e fortes de cada colaborador me permitiu potencializar a sinergia do grupo e mostra-los como se complementavam como time.
Além disto tínhamos algumas práticas próprias como o “motivômetro”, que foi ideia do grupo, onde qualquer um poderia escrever frases motivacionais e o estimulo criativo na forma de pensamento lateral para fomentar soluções criativas. Levamos quase um ano para ajustar todo o processo, a maior dificuldade foi fazer as demandas da gerenciadora e dos demais colaboradores serem encaminhadas exclusivamente para mim, proporcionando a blindagem necessária da equipe criativa.
Temos que ser práticos
Precisávamos também de uma forma eficiente de comunicação, sem perda de tempo e que proporcionasse grande eficiência decisória, principalmente nas reuniões com a presidência do teatro. Para isto desenvolvemos guias conceituais, muito objetivos, mas que mostravam todo conceito das instalações facilitando muito a compreensão de nossas demandas.
Para as reuniões com a presidência fazíamos mapas holísticos, que batizei de “mapa da conversa”, que tinham o objetivo de apresentar uma visão geral de tudo que seria discutido, e assim facilitava bastante o gerenciamento de tempo, assuntos e seus correlacionamentos ao longo da reunião, que geralmente eram curtas e objetivas.
Os resultados foram gratificantes, nossa equipe de projetos passou a atuar na frente dos problemas e demandas com grande qualidade e tranquilidade, tanto que sobrava tempo para atender demandas externas. O índice de erro de nosso projeto ficou próximo de zero, e ao desenvolver um projeto proativo surpreendíamos com soluções para problemas e demandas que percebíamos que iriam surgir. Por conta da nossa comunicação não existiam problemas decorrentes de interpretações equivocadas por conta dos tomadores de decisão, tudo estava perfeitamente claro.
Este caso mostra bem a questão da transdisciplinaridade que permite abordagens eficientes e criativas para solução de demandas que pareciam impossíveis dentro de um contexto tradicional.
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