isto é uma obra de ficção

A primavera no Rio de Janeiro produz verdadeiros espetáculos no céu, principalmente ao nascer e por do sol. Céu azul, nuvens coloridas, pintadas como se fossem uma aquarela, laranja, amarelo, vermelho, rosa, um verdadeiro degradê a partir do horizonte. Um espetáculo digno de aplausos.  Qual o carioca nunca bateu palmas para o por do sol, ou decidiu esperar o sol nascer na praia depois de uma boa noitada? 

Hoje foi um dia especialmente quente, o sol parecia estar no máximo, sua luz ofuscava quem ousava andar na rua sem óculos escuros. A maioria das pessoas preferiu fugir do sol, se trancando em seus espaços privados, carros, escritórios, comércio e casas, ou onde quer que tenha uma sombra ou ar condicionado. Realmente tinha pouca gente na rua, a intensidade da luz do sol estava incomodando mais que o calor, parecia que tinham dois sois ligados. 

No final do dia, o sol decidiu se despedir em grande estilo, produzindo um espetáculo único, não me lembro de ter visto nada tão extraordinário antes, o mais próximo disto foi quando vi o por do sol da meia noite na Finlândia. No verão, o sol naquela região do planeta, se põe a meia noite e nasce em torno das três da manhã, é o período em que os finlandeses passam a maior parte do tempo fora de casa. 

Mesmo assim não tem comparação, o céu está especialmente rosado, é comum acontecer do céu ficar rosado, mas nunca vi uma luz rosa avermelhada tão intensa, que vai do vermelho até o rosa, nenhum tom laranja ou amarelo desta vez.  A sensação é que o por do sol está em câmera lenta, parece estar demorando mais do que o normal, talvez porque eu esteja apreciado intensamente cada detalhe. 

A luz vermelho rosada do sol esta colorindo tudo, um espetáculo impressionante, e ao mesmo tempo assustador. É estranho olhar para cima e ver tudo rosado, intenso, indo até o vermelho. Tudo em volta parece ter este mesmo tom, como se esta luz rosada estivesse pintando o mundo. Prédios, montanhas, pássaros, carros, pessoas, para onde se olhava, estava pintado de rosa.  

Parecia o fim do mundo, um espetáculo único, intenso e inebriante. Se estivéssemos num daqueles filmes apocalípticos, certamente tudo iria se desintegrar rapidamente, nos tornando mera poeira cósmica, junto com tudo em nossa volta. Em seguida esta poeira seria sugada pelo buraco negro que se formaria, onde antes estava o planeta terra, sem deixar nenhum vestígio de sua existência.

Muita gente assistia ao espetáculo, das janelas, varandas e das ruas, carros paravam para assistir, e tudo ocorreu num silêncio absoluto, assustadoramente silencioso. Era tudo muito lindo, muito impressionante e ao mesmo tempo assustador, inédito.  

A imaginação estava a mil, mas a beleza do firmamento transparecia uma calma fora do comum, não parecia ser o fim do mundo, mas também não me importava se fosse, mesmo duvidando que a natureza estaria proporcionando aquele espetáculo por mera demonstração de força ou vaidade. 

Temos uma mania de buscar propósito em tudo, propósito na vida, na carreira, é propósito pra lá, propósito pra cá. Perdemos muito tempo em busca de propósitos, ou de justificar a própria existência. Os propósitos nos acham, e são mais simples e voláteis do que imaginamos. 

Acredite, você não precisa de nenhum outro propósito além da busca pela felicidade individual e coletiva, todos tem este direito, e a felicidade está nas coisas simples, a felicidade está em nós, este é o propósito da vida. Os japoneses sintetizam esta busca na forma do conceito do Ikigai, uma conjunção que possibilita encontrar o seu real propósito, e somente você pode fazer isso.

Esta busca existencial acaba nos ofuscando, nos deixando confusos, e na maioria das vezes deixamos de ver a beleza da vida, e refutamos em acreditar que muitas coisa acontecem por mera casualidade. Devemos continuar pensando como crianças, elas certamente estão assistindo o espetáculo sem questiona-lo e sem buscar significado, apenas apreciando e imaginando.

Me despedi de minhas elocubrações e fiquei admirando aquele espetáculo em seus mínimos detalhes, pela perspectiva da minha criança interior.  

O céu estava bem avermelhado no horizonte, como se estivesse ressaltando os contornos do planeta e das montanhas. Depois vinha clareando até um tom bem rosado no firmamento, as poucas nuvens também pareciam algodão doce cor de rosa, num tom mais escuro, assim como os pássaros que passavam. Parece que colocaram um filtro rosa no planeta, lindamente assustador. 

Tinha uma formação bem peculiar, as nuvens formaram uma espécie de circunferência gigantesca, parecia um gigantesco buraco para o céu, na verdade as bordas deste buraco lembravam uma aurora boreal rosada, discretamente ondulavam e cintilavam. Imagine só, aurora boreal por esta região do planeta… Estou mesmo com minha criança interior a toda, imaginando até isso…

A luz invadia minha casa, pintando tudo de rosa, do teto a parede, nada passava imune à pintura celestial. A maioria das luzes ainda estavam apagadas, possibilitando observar tudo sendo tomado por esta tinta celestial, a natureza estava compondo mais uma grande obra de arte.

Os pássaros passavam em frente a minha varanda, como de costume, mas hoje pareciam silenciosos, como se estivessem venerando o mesmo espetáculo. Até as maritacas que voavam em bandos barulhentos, estavam voando em silêncio. Tudo parecia absurdamente silencioso, talvez porque estava tão focado em ver, que ouvir passou a ser secundário. 

Admirei aquele espetáculo até o último suspiro do sol, e bati palmas, que espetáculo! Não me importei de estar longe da praia para bater palmas para a despedida do sol, aquele espetáculo não poderia acabar sem receber as merecidas palmas. Ouvi alguns vizinhos batendo palmas também, estava todo mundo admirado. Mesmo a lua cheia, com sua luz amarela e seu belíssimo halo, que chegou mais tarde, iluminando a noite, não impressionou tanto como aquele por do sol majestoso.

Foi um espetáculo único, daqueles que você só assiste uma vez na vida. 

Segui na varanda, em estado de graça, tentei ler, escrever, ou ver a TV, mas nada parecia tão interessante, estava em êxtase.

Mais tarde, o por do sol virou noticia, matérias falando do espetáculo, vídeos e imagens capturados em todo país, e até em alguns países da America Latina. O espetáculo foi exclusivo naquele momento e na America Latina, nada de especial aconteceu em nenhum outro continente. Teria relação com a anomalia magnética do Atlântico sul?  Me veio logo a mente, coincidência? Talvez não, talvez sim, pode ter tido relação, quem vai saber? 

Decidi olhar nas redes sociais, e o tema estava nos “trends” nacional. Muitos vídeos, fotos, e algumas noticias. Tinha muita gente falando dos efeitos luminosos, mas também tinha muita gente falando sobre o silêncio, a percepção do silêncio foi generalizada. Diversos relatos de que até os veículos pareciam transitar sem emitir nenhum ruído, engarrafamentos silenciosos. Um fenômeno inusitado, como se alguma coisa tivesse abafado ou absorvido qualquer ruído durante aquele espetáculo.

Os cientistas não sabiam explicar o fenômeno ainda, o conjunto de variáveis permitiam formular diversas hipóteses, mas o fato do fenômeno ter ocorrido somente na América Latina os deixavam intrigados, e abria ainda mais o leque de possibilidades para a anomalia magnética do Atlântico sul. Em breve teríamos as explicações científicas, mas até lá as especulações e apropriações tomariam o debate.

Não demorou, e logo começaram a surgir teorias malucas e inusitadas. Religiosos fanáticos dizendo que era um sinal do apocalipse, outros diziam que o fenômeno havia sido a abertura de um portal dimensional na América Latina, que naquele momento sugara apenas o som para outra dimensão. Outros diziam que a fenda dimensional permitiria viajar no tempo, para isso seria necessário encontrar o local certo, no momento certo. Se tem uma coisa que não tem limite, é a imaginação do ser humano, que como sempre segue buscando significados e propósitos em tudo.   

Mas realmente fiquei intrigado, um espetáculo daquela magnitude e com diversos efeitos bizarros não poderia ser apenas um efeito atmosférico qualquer, ainda mais localizado apenas na América Latina. Fiquei pensando na ausência dos ruídos, como foi possível uma cidade ficar totalmente silenciosa? Realmente não lembro de ter ouvido ruído dos veículos que passavam na rua, não me lembro de ter ouvido literalmente nada.

Portal dimensional… quanta imaginação, quer dizer que abriu um portal dimensional na América Latina, que por quase uma hora transportou o som para outra dimensão… Realmente o som sumiu, “deram um mute” na cidade… 

Geralmente na hora em que o sol se põe, o fluxo de veículos fica bem intenso aqui na minha rua, é barulho de motor, buzina e a gritaria das crianças chegando da escola, mas hoje não me lembro destes sons. Antes do espetáculo estava ouvindo música, e não me lembro de ouvir nada na hora…

Muitos fatos intrigantes, muitas dúvidas, um prato cheio para as teorias conspiratórias… 

Aos poucos fui relaxando, imaginando o espetáculo que havia assistido, as dúvidas foram sendo dissipadas pelas lembranças, acho que nunca mais irei esquecer este dia, um verdadeiro presente para um povo que sofria no meio de uma pandemia… 

Este é o primeiro capítulo do livro: Paradoxo – Um conto de dois tempos

Paradoxo: Um conto de dois tempos

No dia seguinte a um espetáculo atmosférico sem precedentes, o protagonista viaja no tempo sem perceber, e encontra-se com ele mesmo 20 anos mais jovem.  A trama transcorre nas reflexões da possibilidade de viagem no tempo, o quanto podemos e devemos mudar nosso passado. Será que toda mudança é positiva? Quem poderá ser afetado(a)? Se eu mudar o passado serei outra pessoa no presente, será que eu iria gostar desta pessoa em quem eu iria me transformar? Certas informações de alto valor temporal e contextual podem significar verdadeiros problemas se reveladas no passado. E agora? Como o protagonista pode aproveitar este encontro inesperado? 

O que você faria se tivesse esta oportunidade?
Janeiro de 2024

Categorias: Artigos

João Carlos Rebello Caribé

Consultor em otimização empresarial, com foco em inovação estratégica, gestão do conhecimento, gestão de projetos e processos, e micropolítica corporativa. Professor em MBA em disciplinas das áreas de gestão Empresarial, Marketing, Logística e Recursos Humanos. Mestre em Ciência da Informação pela UFRJ (PPGCI) com o tema “Algoritmização das relações sociais, criação de crenças e construção da realidade”. Empreendedor desde o início de sua carreira, foi sócio em quatro empresas desde então. Com a chegada da Internet no Brasil no final dos anos 90, desenvolveu uma empresa revolucionária, a Flash Brasil, tornando-se referência com um modelo de negócios inovador envolvendo comunidades virtuais com milhares de profissionais. Foi conselheiro para o primeiro Conselho de Coordenação da NETmundial Initiative, junto com profissionais como Jack Ma (Alibaba), Christoph Steck (Telefonica), Penny Pritzker (Departamento de Estado Americano), James Poisant (WITSA), Lu Wei (Ministro do Ciberespaço Chinês), Jean-Jacques Subrenat (EURALO), dentre outros. Também foi membro do Comitê Executivo da NCUC na ICANN, representando a sociedade civil da América Latina e Caribe. Participa da Internet Society Brasil, Coalizão Direitos na Rede, Red Latam, Comunidade Diplo, Dynamic Coalition on Network Neutrality e Global Net Neutrality Coalition, Laboratório em Rede de Humanidades Digitais (LarHud) e Estudos Críticos em Informação, Tecnologia e Organização Social (Escritos).

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